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SOBRE | A MOÇA E A FLORESTA

A MOÇA E A FLORESTA

   Certa vez, uma moça quis saber aonde ia dar a estrada civilizada, pela qual todo o mundo estava indo.
  – O fim dessa estrada dá num lugar cheio de ouro e pedras preciosas, respondeu o anão que cobrava o caro pedágio. Vale a pena pagar.
  A moça, que também se achava muito civilizada, comprou essa história e ia indo por ela, direitinho, até que seu pé se enroscou num cipó.
  Quando ela se abaixou para livrar-se daquilo, viu que o cipó era a ponta de um longo ramo de folhinhas muito brilhantes, lembrando uma tornozeleira de esmeraldas, daquelas que esperava encontrar no fim da estrada.
  Então, em vez de se desenroscar dele, a moça resolveu puxar o ramo do cipó para ver aonde ele começava.
  Com isso, ela saiu da estrada. Primeiro desceu para a valeta lateral, e depois entrou num matagal, onde havia uma espécie de trilha escondida…era, talvez, um daqueles lugares que as mães recomendam que a gente não vá.

   -Pode ser um caminho paralelo – a moça pensou – Quem sabe, mais curto!

E, como uma menina que se perde na floresta, ela foi se embrenhando mais e mais na mata cheia de plantas enrodilhadas em árvores altas.  A música da chuva nas folhas murmurava para ela: – Vem, vem…e, sem pensar, e sem medo, ela ia.
  Algumas vezes até tentou voltar para a estrada, mas a artificialidade do asfalto e o barulho das conversas estridentes a faziam voltar para os sons da mata e o macio da terra.

 

   Com o tempo, ela começou a se perguntar aonde ia dar aquela trilha. Não achava mais que fosse de fato uma rota paralela: parecia que conduzia para algo mais importante do que ouro e pedras preciosas. Não havia muita ligação entre a estrada e a floresta, portanto o destino final não poderia ser o mesmo.

   Então, um dia, ela resolveu que iria até o fim, sem parar.  Andou, andou... No final da trilha, a mata também acabou.

   Na raiz do cipó, erguia-se um cactus gigantesco.  E a moça imediatamente o reconheceu como se reconhece a um irmão. Era imenso, solitário, capaz de viver na secura, porque é cheio de líquida vida por dentro, guardião do deserto que se descortinava em frente.
Ela ficou por algum tempo ao seu lado, antes de seguir para o deserto, onde nada é necessário – nem ouro e nem cipós – mas que é cheio de fogo e de estrelas.
  Muito além da estrada e da mata, essa era aquela sua paisagem interna, lugar de expansão das grandes almas, que em silêncio podem tocar o céu.

Acabou entendendo tão bem desses caminhos que virou uma guia para outras pessoas inquietas, que não acham graça na rodovia sinalizada. Ela as guiava com satisfação, desde que tivesse momentos nos quais pudesse se recolher e silenciar, experimentando uma outra paisagem, interna, meio difusa, que não conseguia ver com clareza.

   Agradeço por todos os presentes que a vida tem me dado! Este conto é um deles.


(conto baseado em minha entrevista, escrito pelas idealizadoras do livro "O Feminino e o Sagrado")

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